quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Domingo de manhã


Estava deitado em minha cama.
Com uma garrafa de Bourbon ao lado.
Cobertores espalhados no chão.
Trago aqui e aqui, já estava meio bêbado.
O quarto tava que era só fumaça, tudo meio cinzento.
Inclusive minha vida. Rotina desprezível.
A campainha toca, merda.
São onze da manhã, me deixe em paz.
Estava sozinho, decidi não abrir a porta.
“Tomara que ache que morri”, pensei comigo.
Outro trago, desce cortando.
Quem é que bebe Bourbon às onze da manhã?
Campainha toca de novo. Era insistente.
Levantei de mal grado, vesti as calças.
Abri a porta com cara de merda e lá estava ela.
“Finalmente, meu amor. Trouxe almoço”.
Partiu meu coração, amoleci feito misto quente.
Essa mulher chegou com o diabo no corpo. Fazendo mudanças.
“Vou guardar essa garrafa de Bourbon, Gui, já deu já”.
Não, não o Bourbon.
Então eu me sentei à beira da cama. Acendi um cigarro.
Não é que veio e tirou o cigarro na minha boca.
Desmoralizado dentro do meu próprio apartamento.
“Cigarros mais fracos, Gui, só os mais fracos”.
“Tudo bem”, respondi.
Abriu as janelas, dobrou as cobertas, lavou minhas cuecas.
O sol estava queimando meus olhos. Precisei dos óculos escuros.
De calça, sem camisa, e óculos escuros.
“Vá tomar um banho rápido enquanto eu arrumo a mesa, meu bem”.
Não, banho não. Mas eu fui, antes que causasse problemas.  
Peguei um cigarro escondido e fumei durante o banho.
Sou um criminoso. Meu crime é inafiançável.
Saí do banho, demorei um pouco pra arrumar os cabelos.
Estava asseado, e não era nem meio dia.
A porra das onze da manhã. Ou um pouco depois disso.
Mesa preparada, era hora de atacar.
Lavar as mãos antes. É claro.  
Comi feito um sem teto em dia de almoço comunitário.
Pobre dos sem tetos, deviam almoçar mais.
Caí no sofá.
Não, não, não.
“Lave a louça, meu bem, por favor”.
O que essa mulher tem na cabeça?
Caí no sofá de novo. Louças devidamente lavadas.
Era um vencedor.
Comecei a cochilar, como quem não quer nada.
Um peso de mais ou menos 50kg cai sobre mim.
“Hora do filminho”.
“Só se você me deixar tomar outro trago daquele Bourbon”.
“Não, e não discuta, vamos ver um filme”.
Filme então seria.
Hollywoodiano e blockbuster. Meu Deus por quê?
Tava rolando uns chamegos, umas mordidas acolá.
Gosto bastante disso. E se gosto.
Saí comprar cigarros mais fracos, Marlboro cinza.
É fraco mesmo. Desgraça de cigarrinho do diabo.
Apartamento, minha cama, caí por lá mesmo.
Bem de mansinho, como quem não quer nada.
“Me ame”.
“Eu te amo” respondi.
“Você tá meio perdido na vida, Gui”.
Pensei.
“Tô perdido sim, mas em você, fico meio sem saber o que fazer.”
“Me ame”.
“Já disse que te amo. Agora vem deitar comigo”.
Ela acordou antes de mim e fez questão de me acordar.
Abri os olhos forçadamente, sorri.
“Você é um lindo”.
Pensei.
“Você me ama, não é?”.
“Muito”. Um sorriso arrebatador.
Pensei mais uma vez.
“Faz um favor?”.
“O que você quiser”.
Dissimulada de responder isso.
“Tem como você trazer um trago daquele Bourbon pra mim?”.
Levei na cara.
Tá se dando liberdade a fazer essas coisas desde dias atrás.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

um outro amor.


Sabem o que é o amor? Não é aquela coisa dos livros, cheia de eufemismos e sufixos, gramaticalmente correto com métrica e rima, o amor, só é amor de verdade quando você acorda pela manhã, lá pelas sete, e tenta se virar para o lado, sabe? Tentando achar outra posição para cochilar melhor e é impedido, porque na sua cintura um braço está preso, quase te sufocando, te prendendo ali, e você se dá conta que está quase caindo da cama e não pode fazer nada, a não ser tentar dormir assim mesmo, desconfortavelmente, isso é amor, porque se não fosse, você dava era um chute na pessoa e se jogava de braços abertos no colchão que é só teu. Mas o colchão não é só mais teu, e com ela ali, deixou de ser, você dorme de favor na sua própria cama e tem que lidar com isso quietinho. O amor tem cheiro de café, o café que você está sem coragem nenhuma de passar e ela também, então vocês apelam pro Toddy porque é mais prático. Admito, é bem mais gostoso quando você não pede, e ele vem de surpresa.  Isso sim, é muito amor.

Meu pai me ensinou que sempre que andamos com uma mulher na rua, ela deve andar para o lado de dentro da calçada, caso um carro apareça desgovernado, aí, bem, [na teoria] ele te atinge e ela sobrevive, acho que isso é um caso de muito amor, vocês não concordam? Você morto, e ela livre e solta no mundo, com riscos de se apaixonar novamente por uma pessoa que não é você, e nunca vai ser. No meu caso, é claro, sou insubstituível, então fico atento sempre que estou andando na rua com ela, só por precaução.

Esse negócio do amor, é cheio de coisas bonitas, frases feitas e clichês e mimimis, mas cansa rápido. Sou daqueles que prefere imitar as mocinhas da novela e fazer sotaques do interior dos Estados Unidos ao ter que dizer “eu te amo”, porque assim, um “eu também” é muito legal, mas risadas espontâneas e descontroladas são mais ainda. Se bem me lembro, é muito mais gostoso e recompensador.

Outro caso de muito amor é a pobreza. Quando você está sem um puto no bolso, e ela também. E os dois se olham com uma cara de “agora, José?”, vou ser sincero, nem José, nem Pedro, nem Cristo podem ajudar, aliás, Cristo pode, mas só se ele fizer o milagre da multiplicação, caso contrário, dispenso os serviços, só se eu precisar de algum trabalho de carpintaria lá em casa, aí eu dou uma ligadinha, sabem né. Esse lance de pobreza é foda, gera dependência, um depende do outro pra comer, pra andar de ônibus e taxi, sorte que ainda não chegou o dia que a pobreza se abata mutuamente, porque se não eu ia ser obrigado a vender o corpo e ela não ia gostar, todo mundo ia querer comprar.

Dedos gelados, aturar os dedos gelados tentando se esquentar no corpo da gente, isso é um caso de sério de amor, daqueles que já precisam de ajuda médica, acompanhamento psiquiátrico, porque é quase um holocausto, os dedos brincando de hitler, e minha barriga pagando de comunidade judaica. Mas é gostoso, preciso admitir e descer do salto.

Essa coisa de amor, de correr atrás de ônibus, circulares, filas de cinema, vivendo e correndo, sou fumante, preciso de muito desse tal de amor no coração pra conseguir correr tanto, sem ele, eu caía duro, durinho da silva. Pior é aguentar os desaforos, aqueles “quem manda aqui mesmo?”, “me obedeça” e o famoso “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, pois é gente, esse negócio de amor é tranqueira, faz a gente praticamente latir. Justo eu, o adestrador de cadelas, digo, cães. Que ninguém se ofenda.

Sabem o que é amor? Vou falar pra vocês, é viver, não apenas fingir viver, falar que quer viver, ou pensar que quer viver, o amor só existe se existe sopro de vida, na sua antes de mais nada, depois aparece um alguém pra fazer respiração boca-a-boca caso falte ar. E acreditem, depois que ela aparece, começa a faltar a cada dois segundos.

Amor não é blasé, o amor [acima de tudo] é você, amando você, na pele de alguém que ama você. Entenderam? Eu também não. 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

American Haiku

O poeta norte-americano Jack Kerouac (1922-1969) foi um grande entusiasta de haikus japoneses, passando grande parte da sua vida se dedicando ao estudo das civilizações orientais e seus costumes. Em meados da década de 1950, Kerouac desenvolveu um novo formato de composição de haikus, diferente da ideia original, em que o poema era constituído de três linhas e 17 sílabas, Kerouac desenvolveu o chamado American Haiku que era, em suma, um poema de três linhas escrito livremente, sem regras silábicas e demais especificações, prezando sempre pela simplicidade da escrita. 


Me arrisquei na composição de alguns, seguem abaixo: 


conheço dois
que tentam virar três
mas usam camisinha


luiza estava longe
longe, longe
mas pegou o metrô pra perto


diz que gosta de rockabilly
mas só conhece
beatles 


meu amor
essa é a última oração
porque já perdi a criatividade


queria me chamar kerouac
mas seria quérouaque
porque nasci no brasil


fui convidado pra uma tal suruba
não pude ir
porque não tenho carro


nessa vida participei de vários menages
homenagem de dia das mães
pervertidos


deus é testemunha
que eu
sou ateu


passarinhos cantando pela manhã
atirei em todos
porque não me deixavam dormir


eu queria ser poeta
mas a vida
tá foda


vi o sorriso mais bonito
sorrindo pra mim
da janela do avião



quinta-feira, 31 de maio de 2012

Eu sou pagliacci


Qual a razão que nos leva a encarar esta comédia?
Falsos palhaços, risos e nenhuma boa intenção.
Meu amigo Alighieri escreveria em formato de tragédia.
Essa vivência cheia de desesperança, com um grande e sonoro “não”.

Faltam homens, faltam homens com oportunidades.
Esplendor de babaquice, nevoeiro de incerteza.
Se talvez eles não tivessem sido expulsos das universidades.
Encarariam o mundo que vivem e encontrariam um pouco mais beleza.

Porque das sobras do amor, só nos restam à dor e ódio.
Viver para esquecer, esquecer para viver.
Persistimos com a ilusão que perdemos antes de alcançar um pódio.
Soa blasé, mas é tudo uma questão de querer.

Faltam homens, faltam homens como eu.
Produzindo linhas falhas, 31 de maio de 2012.
Que tentam de tudo sempre. Para encarar o amigo Alighieri dizendo:
“Você não é importante, é só mais um no mundo que se fodeu.”

Dedicado à Victoria. Peggy Sue. Lunática que apareceu no meio do meu plantão. 



terça-feira, 22 de maio de 2012

outono-faxina

Sol caindo em Itapeva


esse vento abraçado com sol
sussurra convicto:
não se mede alegria
com extensão territorial

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Lustrando a lataria.


Não era mais visto por aí, só às vezes, indo ao mercado comprar cigarros.


“Esse negócio de se apaixonar, das probabilidades presentes no caso, as piores sempre são as que mais se afirmam concretas, se eu pudesse voltar no tempo eu tentaria puxar o freio de mão antes que o coração capotasse. Agora já era, terei que leva-lo ao mecânico, e ele é um cleptomaníaco, de vezes em vezes, quando eu apareço por lá, ele tira um pouco mais de mim, um pouco a menos, e assim consequentemente vou me esvaziando em uma quantia consideravelmente alarmante. Quando pisei lá pela primeira vez, aos 15, eu ainda era um pupilo das temidas ilusões amorosas, e gostava daquilo, mas das vezes que sucederam essa primeira investida até os dias de hoje, me tornei literalmente um poço de desconfiança e com déficit no que diz respeito ao amor próprio. Devem ser os remédios, eu parei de toma-los já tem algum tempo, mas mesmo assim, esse mecânico anda fodendo meus colhões mais do que estuprador é fodido em primeira semana de cárcere, sacanagem, uma bela de uma sacanagem, mas tudo bem, eu aguento. Uma troca de óleo ali, reajuste nos pneus e estou pronto para a próxima, ou não. Esses dias atrás, conversava com um amigo sobre a auto sabotagem ser subjetiva e necessária, depende bem da situação, não puxar o freio de mão é um tipo de auto sabotagem que só fode com a lataria e a parte hidráulica desse meu coração, mas se pensarmos bem, só assim me obrigo a leva-lo até lá para uma nova inspeção geral, para sair novo de novo. Pera aí, então será que tudo isso é necessário mesmo? Será que esse lance todo é só o que realmente deve acontecer de tempos em tempos? Talvez seja, vou pensar um pouco a mais sobre isto. Interessante, pra ser bem honesto, mas também é alarmante, logo estarei viajando novamente na pista, e tudo sempre está contra mim, aliás, sempre esteve, mas de que vale fugir? Eu vou ter que aguentar o mecânico cleptomaníaco querendo ou não.”


Estava em casa, esperando o mecânico ligar e avisar que o coração havia saído da revisão. 

Eu e o doce da Lima!


Foi como pegar o carro e sair te ver,
Frio e sol,
Uma noite gelada,
Um amanhecer de gelo. 


Foi como sair pedalando contrário ao vento,
Molhando na chuva da estrada.
O vento cortando a garganta e
O som nos fazendo um.


 Era como se ainda fosse menina
No quintal cortando laranja.
Esperando o pai depois da aula
Eu e o doce da Lima.






 A pedra continua a mesma, igualmente chata!